quarta-feira, 10 de novembro de 2010

O Sagrado Dom de se Iludir.


"Você sabe explicar/Você sabe/ Entender tudo bem/ Você está / Você é/ Você faz/ Você quer/ Você tem... Você diz a verdade/ A verdade é o seu dom/ De iludir..." Caetano Veloso.


O que seria real ou ilusório? Ilusão e realidade seriam antagônicos? Segundo a filosofia oriental estamos mergulhados em Maya. Vivemos sob o véu de Maya. Cabe-nos saber que Maya, para eles, é a ilusão. Assim nossos sentidos objetivos arraigados na materialidade dos fenômenos não seriam capazes de perceber para além deles. O pensamento moderno por sua vez, nos orienta focar nosso olhar a eles, para podermos conhecê-los. No processo de elaboração de seus métodos, o paradigma moderno, bebeu em fontes diversas para obter o conhecimento. Descartes, em O Discurso do Método, expõe o trilhar necessário do estudioso para o conhecimento da realidade. Apresentando o Racionalismo, o qual procurou dissecar o fenômenos em partes cada vez menores para poder compreendê-los. E descrevê-los através de uma linguagem matemática, após passarem pela Razão, a única forma capaz de garantir a objetividade necessária. Já Bacon, em sua obra Novum Organum, apresenta o Empirismo o qual se apoiava nos sentidos objetivos do ser humano para a observação dos fenômenos, nascia assim, a elaboração do conhecimento a partir da experiência. Tais métodos transformou o mundo e o ser humano numa grande máquina, esta percepção foi consolidada por Newton quando apresentou as Leis da Mecânica. A realidade assim, parecia se apresentar uma linearidade absoluta. O ser humano iludia-se ao pensar que havia descoberto o segredo do universo, reduzindo-o à engrenagens muito bem organizadas que garantiam a nossa existência. As pessoas estariam presas a uma sucessão de fatos objetivos provenientes de ações e reações. Nada poderia fugir a essa regra. Estaríamos nós, presos a esta previsibilidade?. A realidade seria um conjunto de fenômenos cognoscíveis? Karel Kosík, filósofo marxista de origem tcheca, nos apresenta a Concreticidade. O fenômeno, para ele, podia ser entendido como tudo aquilo que pode ser palpável, mensurável e percebido por nossos sentidos; a essência, por sua vez, seria a coisa em si, aquilo que transcende à objetividade e que lhe dá sentido. A Ciência Moderna nos fez acreditar na realidade fenomenal, quando limitou nossa existência aos fenômenos. Segundo Kosík quando procedemos desta forma vivemos na Pseudoconcreticidade. Pois percebemos a realidade apartir de apenas um foco, não possuímos a visão dialética que nos torna capaz de vilumbrar a Concreticidade, a unidade fenômeno-essência. Adentrando à Filosofia Esotérica ou Espiritualista, o ser humano vive iludido quando limita sua existência ao mundo material, esquecendo da vida espiritual. A qual é tida como a verdadeira existência. Sendo o mundo físico apenas uma imitação da realidade transcendental. Esta visão nos remete a Platão quando explana acerca do mundo sensível e mundo das idéias. Apesar de todas as teorias vanguardistas e espiritualistas que procuram apresentar a complexidade da nossa existência; parece-me que, infelizmente, estamos condenados a viver num mundo ilusório. Os efeitos da educação moderna, a qual fomos submetidos, nos condicionou de tal maneira que ainda vivemos nos enganando constantemente. Nossos sentidos continuam nos pregando peças. Nos iludimos com aquilo que vivemos e experimentamos. Um outro fator extremamente responsável por nossos equívocos é o exacerbado egocêntrismo, o qual sempre direciona nossas observações e análises para aquilo que nossa vaidade gostaria que fosse real. Assim, muitas vezes, nos enganamos com determinadas situações e vivências. Somos capazes de fantasiar coisas, sem ao menos, serem possíveis tais fenômenos. Acredito que, o dom de se iludir é algo presente na consciência coletiva humana, e deve estar impregnado na constituição de nosso DNA. Quando constatamos que aquilo que acreditamos ser real, e que gostaríamos que fosse, não passa de uma ilusão nos sentimos totalmente desnorteados e desequilibrados, a dor e a angústia gerada por este estado de esclarecimento é absurda. Sentimos-nos esmagados, ou melhor, nossa vaidade é detonada. O conflito se instala e ficamos demasiadamente aborrecidos e entristecidos por termos sido tão ignorantes e infantis, primários em nossas conclusões. O mundo perde seu colorido e encantamento, e interiormente tudo parece insalubre e desbotado. A luz se apaga e as cortinas são fechadas. O espetáculo chegou ao fim... Estaria a alegria de viver arraigada naquilo que é ilusório? Seriam nossos equívocos, a nossa alegria? Deveríamos optar por viver nos iludindo, e assim fosse, não estaríamos mais plenos? Já que a ilusão que gera o brilho de nossa existência, penso que a ilusão, assim compreendida, é algo sagrado. Desta forma, o sagrado dom de se iludir é a força que move as engrenagens de nossa vida. Fiquemos com as palavras de Caetano quando nos diz que: " A verdade é o seu dom de iludir"... E como nos iludimos com as ditas verdades.